O Código de Cores dos cabos de par trançado Ethernet

 Introdução

Se você lida um pouco com a montagem e uso de redes locais, já deve ter se deparado com um esotérico código de cores, que precisa ser seguido à risca na montagem dos cabos de par trançado, sob pena do cabo não apenas não funcionar direito, como também fazer sua pia vazar, seu cachorro perder o pelo e sua geladeira começar a dançar a Habañera tocando castanholas.

Mas porque isso? E de onde vem essa sequência mística e cabalística? Vamos falar um pouco sobre isso no artigo de hoje.

Relembrando sobre Meios Metálicos

Em vários outros artigos, eu comentei que os meios metálicos transmitem sinais por meio de eletricidade, e que quando temos uma corrente elétrica passando por um condutor ("fio"), temos sempre dois efeitos obrigatórios: a indução elétrica e a atenuação. A indução elétrica é o efeito criado quando se tem dois condutores próximos, onde a passagem de corrente por um dos condutores induz uma corrente proporcional e de sentido inverso no outro condutor, o que também é conhecido como "linha cruzada" ou "crosstalk". Já a atenuação é o efeito da dissipação da energia do sinal elétrico ao passar pelo condutor.

Vimos também que esses efeitos são cumulativos com a distância, ou seja, quanto mais longos os condutores, e quanto mais tempo eles correrem juntos, maiores serão os efeitos de crosstalk e atenuação que esses condutores sofrerão. A técnica de cancelamento é usada nos cabos de par trançado, minimizando o efeito de indução, e a atenuação é mantida em níveis controláveis limitando o tamanho máximo dos cabos.

Todas essas técnicas e cuidados são reunidos num conjunto de instruções chamado de norma técnica. No caso do cabo Ethernet de par trançado, essa norma foi criada pela EIA/TIA (Electronic Industries Association / Telecommunications Industry Association), e atualmente tem o número "EIA/TIA 568c".Essa norma inclui muitas coisas, como a quantidade de tranças que os pares precisam ter, a cada metro, a bitola dos fios e das capas plásticas de isolamento internas e externas, a quantidade de tração que o cabo pode suportar, etc. Tudo isso pra garantir que independente do fabricante, os cabos tenham desempenho, medidas, forma de montagem, parecidos, enfim, que seu funcionamento seja previsível.

Dentro da Norma Técnica EIA/TIA 568c existem duas recomendações de montagem dos cabos ethernet, denominadas "T-568A" e "T-568B". Veremos as duas com mais detalhe adiante, mas primeiro vamos ver como é o cabo Ethernet.

O cabo Ethernet

O cabo mais usado para conexões Ethernet é o cabo UTP (Unshielded Twisted Par) de 8 pares, categoria 5e ou 6, bitola 24AWG. Observe que também é possível usar cabos com quantidades maiores ou menores de pares, embora isso seja extremamente raro.

As categorias de cabos são definidas pelas suas características elétricas. Um cabo CAT5e, por exemplo, pode transmitir até 100MHz, enquanto os cabos CAT6 e suas categorias derivadas podem transmitir a 250MHz. Outra diferença entre eles é que o cabo CAT6 possui uma guia interna plástica em forma de cruz, que mantém os quatro pares afastados e aumenta a rigidez mecânica do cabo.

A conectorização dos cabos Ethernet é feita com um conector RJ45 macho ou fêmea. Normalmente os conectores fêmea são usados em tomadas de parede ou de armário-bastidor ("rack"). Os cabos montados com dois conectores macho são chamados de "line cords" (quando são usados para ligar equipamentos na área de trabalho) ou "patch cords" (quando são usados para ligar ativos aos armários, ou ainda fazer ligações de manobra dentro do armário).

O processo de instalação do conector pode mudar de fabricante para fabricante, sendo mais comum a chamada crimpagem (processo onde o conector é colocado nas pontas do cabo e apertado por um alicate especializado).

Montagem T-568A/B

Os cabos CAT5e e CAT6 de 8 pares são construídos de forma que cada um dos pares de fios seja identificada por uma cor. As cores padronizadas são laranja, verde, azul e marrom (ou castanho, para os lusófonos), e são originadas da telefonia. Como são pares de fios, e como esses pares formam circuitos balanced-line, é importante que as duas pontas sejam montadas de forma coerente; assim, é preciso diferenciar os dois fios do par. Isto é feito atribuindo ao primeiro fio uma cor sólida ou escura, enquanto o segundo fio do par recebe uma cor mais clara, ou estrias da mesma cor do primeiro fio, sobre branco.

Assim, alguns fabricantes oferecem cabos cujos fios são (por exemplo) verde escuro e verde claro (formando o par verde), enquanto outros serão verde sólido e branco/verde. O par laranja pode ser uma exceção: alguns fabricantes fazem o segundo fio desse par completamente branco, sem estria.

Outro ponto particular é o par marrom (castanho): alguns fabricantes oferecem o segundo fio em marrom claro, outros em branco estriado de marrom, mas ainda alguns o oferecem dourado.

Marrom, castanho, dourado, branco/laranja ou verde claro, uma dica é importante: se você é portador de daltonismo, avise seu supervisor antes de tentar montar um cabo UTP Cat5e/6.

Olhando do lado da interface Ethernet, ela possui (ou pode possuir) ligações em que os pinos 1 a 8 são reunidos também em pares:

  • 1 e 2;
  • 3 e 6;
  • 4 e 5; e
  • 7 e 8.

Existem dois tipos de interfaces Ethernet, chamadas "MDI" e "MDI-X". Eles são usados, conforme o equipamento é intermediário (switches, hubs e repetidores) ou final (estações de trabalho, servidores de rede, roteadores, pontos de acesso wireless, câmeras e outros equipamentos assemelhados).

A diferença entre esses dois tipos de interface está na função dos pares 1/2 e 3/6. Enquanto um tipo usa o par 1/2 para enviar e o par 3/6 para receber, o outro faz exatamente o inverso. Assim, para que haja comunicação entre interfaces de tipos diferente, essas interfaces devem ter o par 1/2 de uma (envio) ligado ao 1/2 da outra (recepção) , e o 3/6 de uma (recepção) ligado ao 3/6 da outra (envio).

Já para interligar duas interfaces do mesmo tipo, é preciso ligar o par 1/2 (envio) de um lado ao par 3/6 (recepção) do outro lado, e vice-versa.

Já temos, então, informação suficiente para entender o primeiro tipo de montagem, a T-568A. Nessa montagem, o pino 1 é ligado ao fio branco/verde (ou verde claro), e o pino 2 é ligado ao fio verde escuro (ou verde sólido). O pino 3 é ligado ao fio branco (ou branco/laranja), e seu parceiro, o pino 6, ao fio laranja. O pino 4 é ligado ao fio azul, e o 5, ao fio azul claro (ou branco/azul); e o pino 7, ligado ao fio marrom claro (branco/marrom, dourado), e o 8, ao fio marrom escuro ou sólido. Isso faz a sequência: branco/verde, verde, branco, azul, branco/azul, laranja, branco/marrom, marrom.

Isso significa que o sinal dos pinos 1/2 passa pelo par verde, o sinal dos pinos 3/6 pelo par laranja, o do 4/5 pelo par azul, e o do 7/8, pelo par marrom.

O segundo tipo de montagem é chamado de T-568B. Nele o pino 1 é ligado ao fio branco (ou branco/laranja), e o 2, ao laranja; o 3, ao branco/verde, e o 6, ao verde. Os demais fios são iguais ao T-568A (4-azul, 5-branco/azul, 7-branco/marrom, 8-marrom). Observe que as cores verde e laranja estão trocadas nessas duas montagens, e apenas elas.

Colocando tudo isso junto, temos três possibilidades; a primeira é montar as duas pontas do cabo com a montagem T-568A. Isso faz com que os pinos 1/2 dos dois lados sejam unidos pelo par verde, e os pinos 3/6 dos dois lados sejam unidos pelo par laranja. Esse tipo de cabo é chamado de "T-568A direto", por fazer a ligação direta entre os pinos.

A segunda possibilidade é montar as duas pontas do cabo com a montagem T-568B; o efeito é o mesmo, mudando apenas a cor usada para unir os pinos 1/2 e 3/6 dos dois lados. Esse tipo de cabo é chamado de "T-568B direto", pelo mesmo motivo.

A terceira possibilidade é usar uma montagem em cada ponta. Isso causa um efeito interessante: o par verde, de um lado, liga os pinos 1/2; do outro, liga os pinos 3/6. O inverso ocorre com o par laranja. Esse tipo de cabo é chamado apenas de "cruzado" (cross).

O resultado é que ao usar um cabo direto (tanto faz, se A ou B), os pinos 1/2 e 3/6 são ligados diretamente, como é necessário ao ligar um equipamento MDI a outro, MDI-X. Já ao se usar um cabo cruzado, os pinos 1/2 de um lado são ligados aos pinos 3/6 do outro, como é necessário ao ligar um equipamento MDI ou MDI-X a outro do mesmo tipo.

Essas definições eram obrigatórias até o final da década de 90. Nessa época, começaram a se popularizar equipamentos inteligentes, que eram capazes de perceber se estavam sendo ligados a outro equipamento MDI ou MDI-X, e se ajustar para o funcionamento, independente do cabo usado na ligação ser direto ou cruzado. Esse tipo de interface, chamado auto-MDI/MDI-X, fez com que os cabos cruzados se tornassem obsoletos. A esmagadora maioria dos equipamentos, hoje em dia, é auto-MDI/MDI-X.

A conexão gigabit

As definições que vimos acima foram criadas para a interface 10BaseTX, também conhecida como Ethernet 10Mbps. Em seguida, foram aproveitadas para a interface 100BaseTX (conhecida como Ethernet 100Mbps ou fastEthernet). Em comum, o fato de ambas usaram apenas os pinos 1/2 e 3/6 da interface, não aproveitando os pinos 4/5 e 7/8, que podiam até ser deixados sem ligação.

Quando se desenvolveu a sucessora delas, a interface gigabitEthernet, percebeu-se que não seria possível transmitir a 1000Mbps a 4 fios, usando o mesmo tipo de cabo (CAT5e). Os grupos de desenvolvimento então se dividiram em dois caminhos. O primeiro tomou o cabo CAT6 e definiu a interface 1000BaseT, que transmite em 1000Mbps a 4 fios. O problema é que como o uso do cabo CAT6 era obrigatório, tornava muito cara a migração para a nova velocidade, visto que todo o cabeamento CAT5 e CAT5e tinha que ser trocado por CAT6.

O segundo grupo resolveu procurar uma solução que permitisse o uso de cabos CAT5e, o que resultou na interface 1000BaseTX. Esse tipo de interface transmite a 1000Mbps, porém em 8 fios. Todos os pares do cabo precisam estar montados (e corretamente) para haver transmissão. Isso resultou numa interface bem mais complexa e de desenvolvimento mais caro, porém permitia que as instalações com cabos CAT5e continuassem funcionando.

Inicialmente, as interfaces 1000BaseT eram mais comuns, pois eram mais baratas. Logo, porém, o custo das interfaces 1000BaseTX caiu o suficiente para elas tomarem o mercado. Hoje em dia, a maioria das interfaces é do segundo tipo.

Bônus e ônus: porque não dá certo inventar o seu próprio código de cores

Espero ter explicado bem o porquê dos códigos de cores T-568A e T-568B. Montar cabos seguindo um desses códigos (não faz qualquer diferença qual deles, desde que se escolha de forma coerente) é quase uma garantia de que o cabo vai funcionar (e em outro artigo explicarei porque não é garantia total).

Mas uma pergunta continua no ar: sabemos porque funciona quando se usa o código; mas porque não funciona quando não se usa? Ou melhor, funciona, mas só para cabos curtos (até 3m)???

A resposta está no motivo de se fazer o trançamento dos cabos, que é criar o efeito de cancelamento da diafonia. Ao não se seguir o padrão, perde-se o cancelamento, o que faz com que 3m de cabo acumulem diafonia suficiente para impedir o funcionamento.

Há ainda algumas combinações "de sorte" que conseguem funcionar por distâncias maiores, como por exemplo usar os pares azul e marrom no lugar dos pares verde ou laranja. No entanto, os pares verde e laranja são construídos de forma diferente por isso eles são os escolhidos como os pares principais. Usar os pares de forma diferente, mais cedo ou mais tarde, acaba cobrando o preço, que é o cabo parar de funcionar.

O código de cores não é tudo

Embora seja importante, o código de cores não é suficiente para garantir o funcionamento do cabo. Há um outro fator muito importante: o cuidado na montagem do cabo.

Em primeiro lugar, deve-se sempre usar componentes de boa qualidade, e da mesma categoria. Leia aí, não adianta usar um cabo CAT6 se estiver usando conectores CAT5e, seu cabo no final será CAT5e e você só vai ter gasto dinheiro à toa no cabo.

Em segundo lugar, ao descascar o cabo, use ferramentas bem reguladas. É muito comum que no processo de descascar, os condutores internos sejam cortados, o que pode levar a quebras e/ou mau contato.

Fique atento também para não descascar demais o cabo. A parte descascada precisa ser destrançada, e caso ela esteja comprida demais, cria diafonia. Uma boa regra a seguir é que a parte destrançada deve ser suficiente apenas para alcançar o fundo do conector, permitindo que a capa externa entre. Isso faz com que, ao crimpar o conector, a capa seja presa pela trava plástica, conferindo rigidez mecânica ao conjunto.

E, por fim, não faça gambiarras. Conectores RJ45 não são reutilizáveis. Uma vez crimpados, se não ficaram bons, corte e jogue fora. O cabo ethernet também não aceita emenda; se ficou curto, ou se você precisa de um cabo maior, substitua o cabo todo. 

Acho que era isso. Até a próxima vez.

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